Não sei por que, sorri de repente
E um gosto de estrela me veio na boca...
Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que fazem os caminhos...
Em Deus, em ti, de novo...
Tua ternura tão simples...
Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa
E o vento da madrugada me encontraria morto junto de um arroio,
Com os cabelos e a fronte mergulhados na água límpida...
Mergulhados na água límpida, cantante e fresca de um arroio!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
.
segunda-feira, dezembro 18, 2006
terça-feira, dezembro 05, 2006
A Pálpebras Estão Descidas
As pálpebras estão descidas
E as mãos em cruz sobre o peito...
Mas quem é que pisa em vidros?
Quem estala os dedos no ar?
As pálpebras estão descidas.
Não mastigues folhas secas!
Não mastigues folhas secas,
Que te pode fazer mal...
- Quem é que canta no mar? ?
As mãos repousam no peito.
E eu quero ver se bem cedo
Pescam meu corpo em Xangai.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
.
E as mãos em cruz sobre o peito...
Mas quem é que pisa em vidros?
Quem estala os dedos no ar?
As pálpebras estão descidas.
Não mastigues folhas secas!
Não mastigues folhas secas,
Que te pode fazer mal...
- Quem é que canta no mar? ?
As mãos repousam no peito.
E eu quero ver se bem cedo
Pescam meu corpo em Xangai.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
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segunda-feira, novembro 20, 2006
A Canção
Era a flor da morte
E era uma canção...
Tão linda que só se poderia ler dançando
E que nada dizia
Em sua graça ingênua
Dos subterrâneos êxtases e horrores em que estavam mergulhadas as suas raízes...
Mas estava fragilmente pintada sobre o véu do silêncio
Onde a morta jazia com seus cabelos esparsos
Com seus dedos sem anéis
Com seus lábios imóveis
E que talvez houvessem desaprendido para sempre até as sílabas
Era uma pobre canção,
Ingênua e frágil,
Que nada dizia...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
.
E era uma canção...
Tão linda que só se poderia ler dançando
E que nada dizia
Em sua graça ingênua
Dos subterrâneos êxtases e horrores em que estavam mergulhadas as suas raízes...
Mas estava fragilmente pintada sobre o véu do silêncio
Onde a morta jazia com seus cabelos esparsos
Com seus dedos sem anéis
Com seus lábios imóveis
E que talvez houvessem desaprendido para sempre até as sílabas
que outrora pronunciavam meu nome...
Onde a morta jazia na sua misteriosa ingratidão!Era uma pobre canção,
Ingênua e frágil,
Que nada dizia...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
.
segunda-feira, novembro 06, 2006
Os caminhos estão cheios de tentações
Os caminhos estão cheios de tentações.
Os nossos pés arrastam-se na areia lúbrica...
Oh! tomemos os barcos das nuvens!
Enfunemos as velas dos ventos!
Os nossos lábios tensos incomodam-nos como estranhas mordaças.
Vamos! vamos lançar no espaço - alto, cada vez mais alto! - a rede das estrelas...
Mas vem da terra, sobe da terra, insistente, pesado,
Um cheiro quente de cabelos...
A Esfinge mia como uma gata.
E o seu grito agudo agita a insônia dos adolescentes pálidos,
O sono febril das virgens nos seus leitos.
De que nos serve agora o Cristo do Corcovado?!
Há um longo, um arquejante frêmito nas palmeiras, em torno...
A Noite negra, demoradamente,
Aperta o mundo entre os seus joelhos.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
.
Os nossos pés arrastam-se na areia lúbrica...
Oh! tomemos os barcos das nuvens!
Enfunemos as velas dos ventos!
Os nossos lábios tensos incomodam-nos como estranhas mordaças.
Vamos! vamos lançar no espaço - alto, cada vez mais alto! - a rede das estrelas...
Mas vem da terra, sobe da terra, insistente, pesado,
Um cheiro quente de cabelos...
A Esfinge mia como uma gata.
E o seu grito agudo agita a insônia dos adolescentes pálidos,
O sono febril das virgens nos seus leitos.
De que nos serve agora o Cristo do Corcovado?!
Há um longo, um arquejante frêmito nas palmeiras, em torno...
A Noite negra, demoradamente,
Aperta o mundo entre os seus joelhos.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
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quarta-feira, novembro 01, 2006
A Noite
A Noite é uma enorme Esfinge de granito negro
Lá fora.
Eu acendo minha lâmpada de cabeceira.
Estou lendo Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres, há fetos pensativos desenvolvendo-se...
E há cabelos que estão crescendo, lentamente, por debaixo da terra,
Junto com as raízes úmidas...
E há cânceres... cânceres!... distendendo-se como lentos dedos...
Impossível, meu caro doutor Watson, seguir o fio desta sua confusa e deliciosa história.
A Noite amassa pavor nas entrelinhas.
É um grude espesso, obscuro...
Vontades de gritar claros nomes serenos,
PALLAS NAUSICAA ATHENA AI, mas os deuses se foram...
Só tu aí ficaste...
Só tu, do fundo da noite imensa, a agonizares eternamente na tua cruz!...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
terça-feira, outubro 24, 2006
Ao longo das janelas mortas
Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!... Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o que,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!... Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o que,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
segunda-feira, outubro 16, 2006
Momento
sexta-feira, outubro 13, 2006
Bar
Letras que não formam nome algum.
O meu caixão será de mogno,
Os grilos cantarão na treva...
Fora, na grama fria, devem estar brilhando as gotas
pequeninas do orvalho.
Há, sobre a mesa, um reflexo triste e vão
Que é o mesmo que vem dos óculos e das carecas.
Há um retrato do Marechal Deodoro proclamando a República.
E de tudo, irradia, grave, uma obscura, uma lenta música...
Ah, meus pobres botões! eu bem quisera traduzir, para vós, uns
dois ou três compassos do Universo!...
Infelizmente não sei tocar violoncelo...
A vida é muito curta, mesmo...
E as estrelas não formam nenhum nome.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
sexta-feira, setembro 29, 2006
Cântico
O vento verga as árvores, o vento clamoroso da aurora...
Tu vens precedida pelos vôos altos,
Pela marcha lenta das nuvens.
Tu vens do mar, comandando as frotas do Descobrimento!
Minh'alma é trêmula da revoada dos Arcanjos.
Eu escancaro amplamente as janelas.
Tu vens montada no claro touro da aurora.
Os clarins de ouro dos teus cabelos na luz!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Tu vens precedida pelos vôos altos,
Pela marcha lenta das nuvens.
Tu vens do mar, comandando as frotas do Descobrimento!
Minh'alma é trêmula da revoada dos Arcanjos.
Eu escancaro amplamente as janelas.
Tu vens montada no claro touro da aurora.
Os clarins de ouro dos teus cabelos na luz!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
quinta-feira, setembro 28, 2006
No silêncio terrível
No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa.
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre papeis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
- O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria - morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Há de ficar uma última lâmpada acesa.
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre papeis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
- O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria - morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
sexta-feira, setembro 15, 2006
As Belas, As Perfeitas Máscaras
As belas, as perfeitas máscaras de perfil severo
Que a morte, no silêncio, esculpe,
Encheram-se de uma estranha claridade...
Que anjos tocam, através do mundo e das estrelas,
Através dos sensíveis rumores,
O canto grave dos violoncelos profundos?
Alma perdida, vagabunda, Messalina sonâmbula, insaciada...
Que procuras na noite morta, Alma transviada,
Com tuas mãos vazias e tristes?
Cantam os violoncelos... A noite sobe como um balão...
Meus olhos vão ficando cada vez mais lúcidos...
Soluçam os violoncelos... Ah,
Como é gelado o teu lábio,
Pura estrela da manhã!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Que a morte, no silêncio, esculpe,
Encheram-se de uma estranha claridade...
Que anjos tocam, através do mundo e das estrelas,
Através dos sensíveis rumores,
O canto grave dos violoncelos profundos?
Alma perdida, vagabunda, Messalina sonâmbula, insaciada...
Que procuras na noite morta, Alma transviada,
Com tuas mãos vazias e tristes?
Cantam os violoncelos... A noite sobe como um balão...
Meus olhos vão ficando cada vez mais lúcidos...
Soluçam os violoncelos... Ah,
Como é gelado o teu lábio,
Pura estrela da manhã!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
terça-feira, setembro 12, 2006
Mundo
E eis que naquele dia a folhinha marcava uma data em caracteres desconhecidos,
Uma data ilegível e maravilhosa.
Quem viria bater à minha porta?
Ai, agora era um outro dançar, outros os sonhos e incertezas,
Outro amar sob estranhos zodíacos...
E o terror de construir mitologias novas!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
segunda-feira, setembro 11, 2006
Sinônimos
quarta-feira, setembro 06, 2006
Sempre
quinta-feira, agosto 31, 2006
A Noite
A Noite é uma enorme Esfinge de granito negro
Lá fora.
Eu acendo minha lâmpada de cabeceira.
Estou lendo Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres, há fetos pensativos desenvolvendo-se...
E há cabelos que estão crescendo, lentamente, por debaixo da terra,
Junto com as raízes úmidas...
E há cânceres ... cânceres!... distendendo-se como lentos dedos...
Impossível, meu caro doutor Watson, seguir o fio desta sua confusa e deliciosa história.
A Noite amassa pavor nas entrelinhas.
É um grude espesso, obscuro...
Vontades de gritar claros nomes serenos,
PALLAS NAUSICAA ATHENA AI, mas os deuses se foram...
Só tu aí ficaste...
Só tu, do fundo da noite imensa, a agonizares eternamente na tua cruz!...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Lá fora.
Eu acendo minha lâmpada de cabeceira.
Estou lendo Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres, há fetos pensativos desenvolvendo-se...
E há cabelos que estão crescendo, lentamente, por debaixo da terra,
Junto com as raízes úmidas...
E há cânceres ... cânceres!... distendendo-se como lentos dedos...
Impossível, meu caro doutor Watson, seguir o fio desta sua confusa e deliciosa história.
A Noite amassa pavor nas entrelinhas.
É um grude espesso, obscuro...
Vontades de gritar claros nomes serenos,
PALLAS NAUSICAA ATHENA AI, mas os deuses se foram...
Só tu aí ficaste...
Só tu, do fundo da noite imensa, a agonizares eternamente na tua cruz!...
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
sábado, agosto 26, 2006
O Milagre
segunda-feira, agosto 14, 2006
Cripta
Debaixo da mesa
A negrinha.
Assustada.
Assustada.
Na janela
A lua.
No relógio
O tempo.
No tempo
A casa.
E no porão da casa?
No porão da casa umas estranhas ex-criaturas com cabelos de
teia-de-aranha e os olhos sem luz sem luz e todas se
[esfarelando que nem mariposas ai todas se esfarelando mas
sempre se remexendo eternamente se remexendo como
[anêmonas fofas no fundo de um poço de um poço!
[esfarelando que nem mariposas ai todas se esfarelando mas
sempre se remexendo eternamente se remexendo como
[anêmonas fofas no fundo de um poço de um poço!
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
sexta-feira, agosto 11, 2006
De Repente
Olho-te espantado:
Tu és uma Estrela do Mar.
Um minério estranho.
Não sei...
No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão,
Era sempre teu seio!
Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão...
Mas agora encheram-se de sombra os cântaros
E só o meu cavalo pasta na solidão.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Tu és uma Estrela do Mar.
Um minério estranho.
Não sei...
No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão,
Era sempre teu seio!
Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão...
Mas agora encheram-se de sombra os cântaros
E só o meu cavalo pasta na solidão.
[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
quarta-feira, agosto 09, 2006
Se eu fosse um padre
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!
[Mario Quintana; "Nova Antologia Poética", 1998, pág. 105]
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!
[Mario Quintana; "Nova Antologia Poética", 1998, pág. 105]
domingo, agosto 06, 2006
quarta-feira, agosto 02, 2006
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
- ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
[Mario Quintana; Nova Antologia Poética, 1998]
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
- ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
[Mario Quintana; Nova Antologia Poética, 1998]
terça-feira, agosto 01, 2006
Libertação
sexta-feira, julho 28, 2006
O dia abriu seu pára-sol bordado
XII
Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos]
Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos]
terça-feira, julho 25, 2006
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
domingo, julho 23, 2006
Mentiras
Lili vive no mundo do faz de conta...
Faz de conta que isto é um avião.
Zzzzzuuu...
Depois aterrizou em um piquê e virou um trem.
Tuc tuc tuc tuc...
Entrou pelo túnel, chispando.
Mas debaixo da mesa havia bandidos.
Pum! Pum! Pum!
O trem descarrilou.
E o mocinho?
Onde é que está o mocinho?
Meu Deus! onde é que está o mocinho?!
No auge da confusão, levaram Lili para cama, à força.
E o trem ficou tristemente derribado no chão,
Fazendo de conta que era mesmo uma lata de sardinha.
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
Faz de conta que isto é um avião.
Zzzzzuuu...
Depois aterrizou em um piquê e virou um trem.
Tuc tuc tuc tuc...
Entrou pelo túnel, chispando.
Mas debaixo da mesa havia bandidos.
Pum! Pum! Pum!
O trem descarrilou.
E o mocinho?
Onde é que está o mocinho?
Meu Deus! onde é que está o mocinho?!
No auge da confusão, levaram Lili para cama, à força.
E o trem ficou tristemente derribado no chão,
Fazendo de conta que era mesmo uma lata de sardinha.
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
quarta-feira, julho 19, 2006
O cágado
Morava no fundo do poço.
E nunca saiu do poço.
Costumava tormar sol numa saliência da parede,
quando a água chegava até ali.
Nas raras vezes que isto sucedia, ficávamos a olhá-lo
impressionados, como se estivéssemos diante do
Homen da Máscara de Ferro.
Que vida!
Era o único bicho da casa que não sabia os nossos
nomes, nem das mudanças de cozinheiras, nem o
dia dos anos de Lili.
Não sabia nem queria saber.
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
E nunca saiu do poço.
Costumava tormar sol numa saliência da parede,
quando a água chegava até ali.
Nas raras vezes que isto sucedia, ficávamos a olhá-lo
impressionados, como se estivéssemos diante do
Homen da Máscara de Ferro.
Que vida!
Era o único bicho da casa que não sabia os nossos
nomes, nem das mudanças de cozinheiras, nem o
dia dos anos de Lili.
Não sabia nem queria saber.
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
sábado, julho 15, 2006
Dos chatos...
O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo
ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa...
Me lembro que fiz um soneto inteiro - bem certinho, bem clássico e tudo - durante o assalto ao Quarto do Sétimo, isto é, quando um veterano de 30 me contava mais uma vez a sua participação nas glórias e perigos daquela investida.
As velhotas que nos contam seus achaques também são de grande inspiração poética.
Mas que fazer contra a amabilidade agressiva do chato solícito?
Aquele que insiste em pagar nossa passagem, nosso cafezinho, ou
quer levar-nos à força para um drinque, ou faz questão fechada de
nos emprestar um livro que não temos a mínima vontade de abrir...
Ah! ia-me esquecendo dos proselitistas de todas as religiões. Os
proselitistas amadores, que são os piores. Quanto aos sacerdotes
que conheço, registre-se em seu louvor que eles sempre me falam
de outras coisas. Ou me julgam um caso perdido ou um caso
garantido... Bem, qualquer que seja o caso, deixam-me em paz.
O que pode acontecer de mais chato no mundo é o chato que
se chateia a si mesmo, o autochato.
Para essa extrema contingência, descobri em tempo que a
última solução não é o suicídio. É escrever, desabafar para cima do
leitor, o qual, se me leu até aqui, a culpa é toda dele.
Há gente para tudo...
ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa...
Me lembro que fiz um soneto inteiro - bem certinho, bem clássico e tudo - durante o assalto ao Quarto do Sétimo, isto é, quando um veterano de 30 me contava mais uma vez a sua participação nas glórias e perigos daquela investida.
As velhotas que nos contam seus achaques também são de grande inspiração poética.
Mas que fazer contra a amabilidade agressiva do chato solícito?
Aquele que insiste em pagar nossa passagem, nosso cafezinho, ou
quer levar-nos à força para um drinque, ou faz questão fechada de
nos emprestar um livro que não temos a mínima vontade de abrir...
Ah! ia-me esquecendo dos proselitistas de todas as religiões. Os
proselitistas amadores, que são os piores. Quanto aos sacerdotes
que conheço, registre-se em seu louvor que eles sempre me falam
de outras coisas. Ou me julgam um caso perdido ou um caso
garantido... Bem, qualquer que seja o caso, deixam-me em paz.
O que pode acontecer de mais chato no mundo é o chato que
se chateia a si mesmo, o autochato.
Para essa extrema contingência, descobri em tempo que a
última solução não é o suicídio. É escrever, desabafar para cima do
leitor, o qual, se me leu até aqui, a culpa é toda dele.
Há gente para tudo...
[Mario Quintana]
quarta-feira, julho 12, 2006
Indivisíveis
O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...
terça-feira, julho 11, 2006
A verdadeira arte de viajar...
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do
mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do
mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Desconfiança
Mas quem sabe se o Diabo não será o Mister Hyde de Deus?
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
sexta-feira, junho 09, 2006
Poema Transitório
(...) é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava mesmo era de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava mesmo era de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
terça-feira, maio 23, 2006
Eles
sábado, maio 20, 2006
Escadas de caracol
quarta-feira, maio 17, 2006
Haikai
segunda-feira, maio 08, 2006
Indulgência
sexta-feira, maio 05, 2006
História Quase Mágica
O Idiota da Aldeia gostava de coisas brilhantes.
Mal nos respondia: éramos apenas gentes...
Mas uma noite o surpreendi fitando longamente a um trinco de porta
redondo, luzente de luar.
Só vos digo,
ao que me parece,
que o brilho do metal ora abrandava, ora fulgia mais,
como se por instantes ouvisse e depois respondesse.
Só vos digo que, nestes ocultos assuntos, nada se pode dizer...
[Mario Quintana; A vaca e o Hipogrifo, 1977]
Mal nos respondia: éramos apenas gentes...
Mas uma noite o surpreendi fitando longamente a um trinco de porta
redondo, luzente de luar.
Só vos digo,
ao que me parece,
que o brilho do metal ora abrandava, ora fulgia mais,
como se por instantes ouvisse e depois respondesse.
Só vos digo que, nestes ocultos assuntos, nada se pode dizer...
[Mario Quintana; A vaca e o Hipogrifo, 1977]
quinta-feira, maio 04, 2006
Do bem e do mal
segunda-feira, maio 01, 2006
Diálogo Noite Adentro
- Mas há as que nos compreendem...
- Ah, essas são as piores!
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
- Ah, essas são as piores!
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
domingo, abril 30, 2006
Incenso
quinta-feira, abril 27, 2006
sexta-feira, março 17, 2006
O Eterno Espanto
Que haverá com a lua que sempre que a gente a olha é com o súbito espanto da primeira vez?
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
segunda-feira, março 06, 2006
Mau Humor
domingo, março 05, 2006
Inscrição para um portão de cemitério
A morte não melhora ninguém...
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
quarta-feira, março 01, 2006
Margraff
De uma feita, descobri nas costas da folhinha o seguinte precioso informe:
"O açúcar de beterraba foi descoberto em 1747 por Margraff."
Desde então, nunca mais pude esquecê-lo. E quando procuro, ansioso, entre os nevoeiros da memória, uma data esquecida, um nome, uma citação, ei-lo que aparece implacável, esse Margraff, à prova de balas e esconjuros. Por que? Estarei ficando... ? Ou é o pobre Margraff que tenta desesperadamente sobreviver, transformando-se em idéia fixa?
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
"O açúcar de beterraba foi descoberto em 1747 por Margraff."
Desde então, nunca mais pude esquecê-lo. E quando procuro, ansioso, entre os nevoeiros da memória, uma data esquecida, um nome, uma citação, ei-lo que aparece implacável, esse Margraff, à prova de balas e esconjuros. Por que? Estarei ficando... ? Ou é o pobre Margraff que tenta desesperadamente sobreviver, transformando-se em idéia fixa?
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
Diálogo Bobo
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
Verso Avulso
... O luar é a luz do sol que está dormindo...
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
domingo, fevereiro 19, 2006
As falsas Recordações
Se a gente pudesse escolher a infância
que teria vivido, com enternecimento eu não
recordaria agora aquele velho tio de perna de pau,
que nunca existiu na familia, e aquele arroio que
nunca passou aos fundos do quintal,
e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão,
sob o zumbido inquietante dos besouros...
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
que teria vivido, com enternecimento eu não
recordaria agora aquele velho tio de perna de pau,
que nunca existiu na familia, e aquele arroio que
nunca passou aos fundos do quintal,
e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão,
sob o zumbido inquietante dos besouros...
[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
Linha Curva
domingo, fevereiro 12, 2006
Melancolia
Maneira romântica de ficar triste.
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
Ao Pé da Letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Os Crocodilos
Pior, mas muito pior mesmo do que as lágrimas de crocodilo são os sorrisos de crocodilo.
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]
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