quinta-feira, julho 01, 2004

Entrevista - parte 2

A ABL virou um depósito de ministros
(Mario Quintana)


Aos 80 anos, o poeta está mais avesso à Academia


No verão, a cidade de Porto Alegre vai nos envolvendo aos poucos, com suas galerias, seus trombadinhas altivos... Às três da tarde, a Rua da Praia ferve de gente. Na praça da Alfândega, protestantes com seus discursos inflamados e um cego tocando música nativa em sua gaita, disputam ouvidos indiferentes. Cinco da tarde, o sol ficou mais fresco. Em alguma calçada da rua barulhenta, um velhinho caminha seu passo lento. Parece distraído, parece ausente, mas... ele é todo atenção aos ruídos, aos cheiros de pêssegos maduros e de jornais... aos sotaques dos turistas argentinos, uruguaios ou nordestinos.

E se alguém o surpreende de olhos fechados e comenta: "É o Mário Quintana, como está velhinho"... não percebe que ele está se lembrando de outra cidade, a Porto Alegre de sessenta, quarenta, oitenta anos atrás, tão mais calma, com suas carrocinhas de leite nas portas.

Dedicamos uma semana de nossas férias à Porto Alegre, quando voltávamos da fronteira, mas, não tivemos a oportunidade de surpreender o poeta em um de seus passeios. Fomos encontrá-lo no dia 16 de janeiro, no hotel onde reside: Porto Alegre Residence. Munidos de gravador e com as emoções todas saindo pelos poros, subimos ao oitavo andar e pressionamos a cigarra do 805.

Mário tem secretária. Ela disse que teríamos apenas meia hora para conversar com o poeta. Ele nos chamou para o seu quarto e pediu cafés.

É alegre e simples. Já não ouve muito bem, mas, pudemos constatar que ao longo desses anos todos, vividos quase que exclusivamente para a poesia, sua lucidez e um senso de humor incomparável se mantém inalterados.

Naquela meia hora alongada por vontade do poeta, sob os protestos da sua secretária, falou-se de poesia, de velhice, de Academia... entre muitas risadas de dois deslumbrados entrevistadores e de um menino, um velho, um sábio... sabemos lá!!!

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]

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