terça-feira, dezembro 21, 2004

Feira de Livro

Feira de Livro

O que os poetas escrevem agrada ao espírito, embeleza a cútis e prolonga a existência.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

sábado, agosto 07, 2004

As Mãos de Meu Pai

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra - como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta,uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo,como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah! como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas...
essa chama de vida - que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

Canção Para Uma Valsa Lenta

Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance...
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

sexta-feira, agosto 06, 2004

Desconfia dos que não fumam

Desconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar...

[Sapato Florido, 1948]

quinta-feira, julho 22, 2004

Quem Ama Inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

quarta-feira, julho 21, 2004

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.

[por Augusto Meyer e Manuel Bandeira]

quinta-feira, julho 01, 2004

Academia do Contra

Monteiro Lobato (que escreveu a orelha de Espelho Mágico depois de tê-lo encomendado) e Érico Veríssimo (que fez a introdução de Pé de Pilão) foram apenas alguns ilustres que o admiraram e prestaram suas homenagens enquanto ainda estava vivo. Suas palavras também eram aclamadas por Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Drummond, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto.

Nada mal para quem foi ignorado por três vezes pela Academia Brasileira de Letras, para a qual, na última e derradeira afronta, escreveu sem perder o rebolado, o famoso Poeminha do Contra.


Sobre a relação com a Academia Brasileira de Letras, disse uma vez que nunca quis fazer parte dela, pois achava que os imortais que dela participavam gastavam muito tempo recebendo estrangeiros de importâncias duvidosas. Além disso achava perigoso ter que estudar novos nomes para o ingresso, já que muitos deles eram amigos. Apesar de ter se candidatado por três vezes, não achava contraditórias suas opiniões, tendo em vista que, se fosse aceito, vestiria a camisa da entidade. Ele acreditava que a Academia deveria ter gente mais jovem, portanto a sua inserção já seria uma renovação.

Talvez para aliviar o peso na consciência de quarenta imortais - que deve ser grande - recebeu em 1980 o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra (tipo aquele prêmio que a Academia do Oscar dá aos grandes talentos injustiçados). Antes disso, porém, foi saudado em uma das sessões da Academia por Augusto Meyer e Manuel Bandeira, através da leitura de um de seus poemas. No entanto, em sua terra natal, tornou-se Cidadão Honorário de Porto Alegre; ganhou placa de bronze na praça principal de Alegrete; recebeu a medalha Negrinho do Pastoreiro; ganhou duzentos botões de rosas e cravos das mãos de crianças em Passo Fundo; foi nomeado Doutor Honoris Causa da UNICAMP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro e eleito o Príncipe dos Poetas Brasileiros em uma promoção da Academia Nilopolitana de Letras entre escritores de todo o país. Foi o quinto poeta a receber esse título. Os outros foram Olavo Bilac, Alberto Oliveira, Olegário Mariano e Guilherme de Almeida. E ainda tem gente que diz que os imortais tinham razão.

[desconheço o autor do artigo acima, agradeço quem puder informar a fonte]

Mario Quintana

Mario Quintana

http://quintanares.blogspot.com

parte final da entrevista

P - Que recado você vai mandar para os paraibanos?

R - Ah, eu quase fui morar na Paraíba. Porque eu servi na revolução de trinta e quando houve aquela batalha de Itararé (que não houve) eu estava na cidade de Rio Branco, no norte do Paraná. Aí se chegou a um acordo e o tenente, que era da Paraíba, me ofereceu o cargo de tenente-contador. Mãe eu disse pra ele que não pretendia ser soldado, nem prosseguir no serviço militar porque preferia voltar para o Sul. Isso aí por um lado foi bom, não é? Porque depois houve um golpe na Paraíba, imagine, eu poderia ter morrido... (risos)

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]
P - Mário, você fala muito do amor nos seus poemas. Mas, você não se casou, não teve filhos. Como explica isso?

R - Talvez porque não tenha tido tempo. Eu andei muito. Antes eu trabalhava em Alegrete, cidade onde nasci. Ali fui prático de farmácia. Mas quando estava esquentando uma coisa eu mudava para outra. No quarto ano do colégio eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria e um dia meu pai disse: "Olha, você não quer estudar. É uma pena, mas, vagabundo não te quero. Vais trabalhar na minha farmácia. " E eu fui prático de farmácia por cinco anos. Depois quando ele faleceu, eu fui fazer a única coisa que eu gostava: fui trabalhar de jornalista no Estado do Rio Grande. Quando as coisas estavam esquentando de novo o Governador mandou fechar o Estado do Rio Grande. Era o Flores da Cunha. Ele era um velho caudilho risos). Aí fui trabalhar na Gazeta de Notícias, no Rio. Isso em 1936. Estive lá dois anos e aí fui trabalhar na Livraria do Globo. E sempre andando de um lado para o outro. E aí não tive tempo. Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).




P - (Joana) - Casou com a poesia?

P - (Lau) - Não, a poesia não é um casamento. É um caso, não é?


R - Ah... a poesia é um caso mesmo!

P - Quantos livros você traduziu?

R - Eu traduzi para a Livraria do Globo, cento e trinta e oito livros. No tempo em que eu era criança, o francês era moda e a minha mãe era professora de francês. Então, quando a gente, por exemplo, não queria que os empregados soubessem o que a gente estava dizendo, aí se falava em francês. Grande parte da revolução de 23, por exemplo, foi preparada em francês, porque se reuniam as senhoras dos oficiais para tomarem chá e comunicavam as coisas todas em francês. Imagine que na minha terra, em Alegrete, se fez revolução em francês. Que barbaridade! Naquele tempo as comunicações com a Europa eram bem mais fáceis que hoje. A França era a capital literária do mundo. Eu, quando estava na farmácia do velho, tinha conta numa livraria francesa. Eles mandavam os boletins e eu encomendava. Tudo vinha direto de Paris para Alegrete.

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]
P - Já se tentou três vezes colocar o seu nome na Academia Brasileira de Letras e não se conseguiu. Qual é, agora, a sua relação com a Academia?

R - As minhas relações com a Academia foram sempre boas, eu sempre me dei com gente de lá. Não estou dizendo que "as uvas estão verdes", mas, na verdade eu nunca quis pertencer à Academia. O pessoal de mentalidade futebolística não se satisfazia com apenas um nome gaúcho no time e achavam que devia ter outro lá. Resolveram me candidatar. Quando me candidataram da primeira vez, eu recebi o recado de um senador, que estava tudo preparado para entrar o Portela, os votos já estavam prontos e que eu deveria desistir... e eu disse para ele, por telefone, que não haveria de desistir porque o pessoal iria pensar que era covardia minha. E seria muita desconsideração de minha parte. Aliás, eu não gosto de Academia e jamais quis pertencer a ela porque a gente perde um tempo enorme recebendo visitantes estrangeiros de valor muito suspeito. Se pensa que ser estrangeiro é grande coisa, que se francês ou inglês é uma raridade e não é bem assim. Depois, na Academia, se começa a discutir quem vai ser o sucessor de quem, se recebe impressões de toda a parte para se votar e eu acho que isso atrapalha a vida do camarada, não é? Eu acho que ultimamente a Academia virou um depósito de ministros e com o perdão de alguns amigos que eu tenho lá, um asilo de velhos. Mas eu não tenho nada contra a Academia. De fato não há contradição minha em lamentar que não tenha sido eleito porque eu tensionava fazer tudo pela academia, se fosse eleito. Acho que, antes de tudo, ela deveria ter muita gente jovem. Eu acho que já seria uma renovação e acabava com aquela coisa. Na academia, já não gostaram muito de mim porque doisa naos antes da minha candidatura eu tinha dito que a Academia era uma espécie de sociedade recreativa e funerária (risos).

P - Como é o dia-a-dia de Mário Quintana?

R - Bem, eu acordo de manhã, vivo de dia e durmo de noite. Não tem nada de especial. Eu escrevo, ando, visito amigos...

P - Mário, cita dois ou três poetas brasileiros que você considera bons.

R - Olha, eu não gosto de citar. Eu só citarei um para evitar, depois, emissões inadvertidas ou divertidas. Eu citarei o Carlos Drummond de Andrade que é um dos poetas mais complexos do nosso País.

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]
P - O que você acha da velhice?

R - eu acho que é uma pena. Só que eu queria ter nascido 40 anos antes, e não oitenta anos antes (risos). Tudo isso eu já vivi, sabe? Quando o diabo me chamar eu já estou pronto.

P - Você já viveu oitenta anos. O que é que mudou em Porto Alegre desse período pra cá?

R - Olha, naturalmente o que mudou foi a arquitetura, não é? Eu vejo sempre uma cidade dentro da outra e lembro aquela cidade antiga. Mas pra me lembrar dela eu tenho que fechar os olhos (risos). Porto Alegre, antigamente, era muito mais calma. Não havia tantos assaltos, tanta violência... eu nasci no tempo das vacas gordas. Antes, o leiteiro deixava o leite na porta de casa e ninguém roubava. Hoje roubam até as galinhas dos despachos. Os tempos mudaram, os costumes, mas a vida continua a mesma. Eu não sou como aqueles velhos que dizem: "Ah, os bons velhos tempos..." eu tenho vontade de dizer para eles: "Olha seu moço... seu moço, não, seu velho. Os tempos são sempre bons, o senhor é que não presta mais... (risos).

P - Você continua a escrever poesia com freqüência? Publicará algum livro este ano?

R - Olha, eu não sei fazer outra coisa na vida. Este ano vou publicar dois livros: Um diário poético, com pensamentos sobre cada dia. No dia universal da mulher, por exemplo, eu escrevi o seguinte: " De cada dois gambás - eu não sei se na Paraíba se usa a palavra gambá para se definir um bêbado - um é porque nãop tem mulher e o outro é porque tem. (risos).

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]
P - Existe alguma pergunta que os jornalistas sempre fazem e que você considera chata?

R - Não. O que existe é uma pedida chata. Há pessoas que dizem, por exemplo: "Seu Mário, faz uma dedicatória bem poética pra mim... Olha, o que eles entendem por poética me deixa horrorizado.

P - Quando foi que a poesia entrou na sua vida?

R - Eu comecei a fazer versos desde que me entendi por gente. Eu acho que ser poeta não é uma maneira de escrever, é uma maneira de ser. Assim, como nascem pessoas de olhos azuis ou pretos, nascem também os poetas. Mas eu só publiquei mesmo o meu primeiro livro muito mais tarde. Os poetas novos tem ânsia de publicar logo, eles deveriam esperar ficar mais amadurecidos pela vida, não é? E assim, iriam amadurecendo também o seu instrumento, que são as palavras. O poeta quando mais velho tem tendência de ficar melhor, com o estilo mais depurado. Viveu mais, não é?

P - Você acha que Mário Quintana já está pronto, é um bom poeta?

R - Olha, eu sou m eterno aprendiz. Porque o poeta que descobre uma fórmula, ganha renome, não quer outra vida, e fica conversando com os amigos sentado em cima do muro sem se espetar, esse está perdido, porque eu acho que a poesia não é mais que a procura da poesia, como acho que também Deus se resume na procura de Deus. Eu publiquei meu primeiro livro aos 34 anos. Foi "A Rua dos Cataventos".

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]

Entrevista - parte 3

Houve um tempo em que Mário Quintana ficou sem ter onde morar. Foi quando o expulsaram do hotel Magestic, no centro de Porto Alegre. Foi despejado, uma vez que o jornal onde trabalhava (Correio do Povo) tinha ido à falência. O poeta saiu e o hotel se transformou, ironicamente, na famosa "Casa de Cultura Mário Quintana".

Às vezes, com sua voz trêmula, ele faz pausas para se lembrar de palavras, coordenar frases. A gente tem a impressão que está se gastando em poesia. Poesia que ainda escreve diariamente, como se tivesse pressa, ou como se quisesse aprender sempre.

"Eu sou um eterno aprendiz de poeta e nunca soube fazer outra coisa na vida... No quarto ano do colégio, eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria. Então meu pai me fez trabalhar na sua farmácia como prático. Depois de cinco anos fui fazer o que mais queria, trabalhar como jornalista no Jornal O Estado do Rio Grande".

E Mário fugia de tudo para perseguir a poesia. Publicou seu primeiro livro aos 34 anos, apesar de fazer versos desde menino. Desde então tem mantido a média de dois ou mais livros por ano. Este ano deverá publicar: "Da preguiça como método de trabalho" e "Preparativos para viagens".

Acabamos a entrevista, os papos se alongaram... já íamos sair quando o poeta nos mostrou um segredo: um painel de fotografias de Bruna Lombardi na porta do seu quarto (lado de dentro, lógico!). Confessou que não fica muito à vontade quando lhe pedem, freqüentemente, para falar de sua relação com a atriz:

"Que coisa chata, como é que eu vou explicar uma amizade? Acho também que a amizade é um tipo de amor que não acaba nunca".

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]

Entrevista - parte 2

A ABL virou um depósito de ministros
(Mario Quintana)


Aos 80 anos, o poeta está mais avesso à Academia


No verão, a cidade de Porto Alegre vai nos envolvendo aos poucos, com suas galerias, seus trombadinhas altivos... Às três da tarde, a Rua da Praia ferve de gente. Na praça da Alfândega, protestantes com seus discursos inflamados e um cego tocando música nativa em sua gaita, disputam ouvidos indiferentes. Cinco da tarde, o sol ficou mais fresco. Em alguma calçada da rua barulhenta, um velhinho caminha seu passo lento. Parece distraído, parece ausente, mas... ele é todo atenção aos ruídos, aos cheiros de pêssegos maduros e de jornais... aos sotaques dos turistas argentinos, uruguaios ou nordestinos.

E se alguém o surpreende de olhos fechados e comenta: "É o Mário Quintana, como está velhinho"... não percebe que ele está se lembrando de outra cidade, a Porto Alegre de sessenta, quarenta, oitenta anos atrás, tão mais calma, com suas carrocinhas de leite nas portas.

Dedicamos uma semana de nossas férias à Porto Alegre, quando voltávamos da fronteira, mas, não tivemos a oportunidade de surpreender o poeta em um de seus passeios. Fomos encontrá-lo no dia 16 de janeiro, no hotel onde reside: Porto Alegre Residence. Munidos de gravador e com as emoções todas saindo pelos poros, subimos ao oitavo andar e pressionamos a cigarra do 805.

Mário tem secretária. Ela disse que teríamos apenas meia hora para conversar com o poeta. Ele nos chamou para o seu quarto e pediu cafés.

É alegre e simples. Já não ouve muito bem, mas, pudemos constatar que ao longo desses anos todos, vividos quase que exclusivamente para a poesia, sua lucidez e um senso de humor incomparável se mantém inalterados.

Naquela meia hora alongada por vontade do poeta, sob os protestos da sua secretária, falou-se de poesia, de velhice, de Academia... entre muitas risadas de dois deslumbrados entrevistadores e de um menino, um velho, um sábio... sabemos lá!!!

[Entrevista concedida à: Joana Belarmino e Lau Siqueira em 16 de janeiro de 1987]

Entrevista concedida a Lau Siqueira - parte 1

INTRO

"Caros amigos, em janeiro de 87, eu minha ex-mulher, jornalista e hoje professora do Curso de do Curso de Comunicação da UFPB, estávamos em Porto Alegre visitando minha família e resolvemos entrevistar o poeta Mário Quintana que acabava de completar 80 anos.
A entrevista foi publicada pelo Jornal O Norte, no dia 25 de janeiro de 1987. Aquele momento, inegavelmente, foi um dos mais belos da minha vida. Além da entrevista, gozamos momentos de extrema amabilidade por parte do poeta. Segue aí a entrevista, na íntegra. Desculpem os prováveis erros, já que a emoção se renova. A revisão fica, pois, por conta de cada um. Minha intenção é, apenas, repartir essa exclusividade. Certamente que há muito de ingenuidade em algumas perguntas, mas, inegavelmente há uma riqueza na espontaneidade e na inteligência de respostas reveladoras que valem a leitura. Nosso objetivo não era construir um "quase ensaio" (como alguns panacas metidos) onde os entrevistadores fossem as grandes estrelas diante de um "entrevistado suporte", mas, apenas "bater um papo" descontraído com um dos mais originais poetas da Literatura de Língua Portuguesa. Bom proveito. Penso que temos aqui uma relíquia.

Há braços!

Lau Siqueira?

segunda-feira, junho 28, 2004

Quintana

Poemas de Mario Quintana

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Emergência

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Uma Alegria para Sempre

As coisas que não conseguem ser olvidadas
continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre
onde as datas não datam.
Só no mundo do nunca existem lápides...
Que importa se - depois de tudo - tenha "ela" partido
ou que quer que te haja feito, em suma?
Tiveste uma parte da sua vida que foi só tua e, esta,
ela jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte de tua vida presente
e não do teu passado.
E abrem-se no teu sorriso mesmo quando,
deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto deves à ingrata
criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
-disse, há cento e muitos anos,
um poeta inglês que não conseguiu morrer.

O POETA

Venho do fundo das Eras
Quando o mundo mal nascia...
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!

sexta-feira, junho 25, 2004

quinta-feira, junho 24, 2004

Canção da janela aberta

Passa nuvem, passa estrela,
Passa a lua na janela...

Sem mais cuidados na terra,
Preguei meus olhos no Céu.

E o meu quarto, pela noite
Imensa e triste, navega...

Deito-me ao fundo do barco,
Sob os silêncios do Céu.

Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o teu Poeta.

Adeus para sempre, Amigos...
Vou sepultar-me no Céu!

[in: 80 anos de poesia. 7a ed., São Paulo, Globo, 1996]

POEMAS DE MARIO QUINTANA

QUINTANARES:
TRECHOS DA OBRA DE MARIO QUINTANA
POESIAS
POEMAS
BLOG

quarta-feira, junho 23, 2004

O que o vento não levou...

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

TERREMOTO

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

SAITE DE POESIAS

MARIO QUINTANA

sexta-feira, junho 18, 2004

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

(Esconderijos do Tempo)

quarta-feira, junho 16, 2004

O límpido cristal

Que límpido o cristal de abril!
...Um grito não vai como os da noite
para os extramundos...
Todas as vozes, todas as palavras ditas
cigarras presas
dentro do globo azul
vão em redor do mundo
e a ninguém é preciso entender o que elas dizem;
basta aquele bordoneio profundo
que vibra com o peito de cada um...
palavras felizes de se encontrarem uma com a outra
nas solidões do mundo!

[in: Esconderijos do tempo. São Paulo, Globo, 1995]

domingo, junho 13, 2004

TEXTOS DE MARIO QUINTANA

Ela era branca, branca
Dessa brancura que não se usa mais
Mas sua alma era furta-cor

quinta-feira, junho 10, 2004

MARIO QUINTANA

http://quintanares.blogspot.com

COCTAIL PARTY

Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da caçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

sábado, junho 05, 2004

No ano passado...

Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinaria sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova. Por essas e por outras é que, nestas calçadas claras do ano bom:
Rechinam teus sapatos rua em fora.
Tão leve estou que já nem sombra tenho
E há tantos anos de tão longe venho
Que nem me lembro de mais nada agora!

Tinha um surrão todo de penas cheio
Um peso enorme para carregar!
Porém as penas, quando o vento veio,
Penas que eram... esvoaçaram no ar...

Todo de Deus me iluminei então,
Que os Doutores Sutis se escandalizem:
"Como é possível sem doutrinação?!"

Mas entendem-me o Céu e as criancinhas.
E ao ver-me assim, num poste as andorinhas:
"Olha! É o Idiota desta Aldeia!" dizem...


[in: Porta Giratória, pg 111/112, Sao Paulo, Ed Globo, 3 edição, 1997]

quinta-feira, junho 03, 2004

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito

quarta-feira, junho 02, 2004

O ANJO

O meu Anjo da Guarda de asas negras
tem uns olhos tão verdes como os teus.
E a mesma pele mate e... benza-o Deus!...
também teus mesmos lábios dolorosos...
Como o foste prender num sortilégio
para ficares – sempre – junto a mim?!
Ou fui eu que inventei sua aparência,
nesta minha loucura sem remédio...
E não só neste mas no outro mundo
o quanto eu veja se transforma em ti.
Sei lá se o Anjo entende uns tais mistérios...
Só sei que certa noite o pressenti,
mas baixei os meus olhos incestuosos
e os meus lábios sacrílegos mordi!

domingo, maio 30, 2004

O poema é uma pedra no abismo,
O eco do poema desloca os perfis:
Para bem das águas e das almas
Assassinemos o poeta.

[in: Melhores poemas. 10ª ed., São Paulo, Global, 1996.]

quinta-feira, maio 27, 2004

Poesia & Peito

Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Poesia & Lenço

E essas que enxugam as lágrimas em nossos poemas com defluxos em lenços... Oh! tenham paciência, velhinhas... A poesia não é uma coisa idiota: a poesia é uma coisa louca!

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Poema

Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Palavra Escrita

Por vezes, quando estou escrevendo este cadernos, tenho um medo idiota de que saiam póstumos. Mas haverá coisa escrita que não seja póstuma? Tudo que sai impresso é epitáfio.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

O Trágico Dilema

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.


[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

O Poema

O Poema

O poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

quarta-feira, maio 26, 2004

Canção da Garoa

Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin..
...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...

...

A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...
O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

O luar

O luar,
é a luz do Sol que está sonhando

terça-feira, maio 25, 2004

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

[in: Espelho Mágico]

DOS MUNDOS

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

[in: Espelho Mágico]

DOS MILAGRES

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

[in: Espelho Mágico]

DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

[in: Espelho Mágico]

Arte Poética

Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.

Poema da gare de Astapovo

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

segunda-feira, maio 24, 2004

INDIVISÍVEIS

O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...

sábado, maio 22, 2004

A rua dos cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

sexta-feira, maio 21, 2004

Veneração

Ah, esses livros que nos vêm às mãos, na Biblioteca Pública e que nos enchem os dedos de poeira. Não reclames, não. A poeira das bibliotecas é a verdadeira poeira dos séculos.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Tempo

Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Sonho

Um poema que ao lê-lo, nem sentirias que ele já estivesse escrito, mas que fosse brotando, no mesmo instante, de teu próprio coração.


[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Cuidado

Cuidado

A poesia não se entrega a quem a define.


Das Escolas

Pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua.


Destino Atroz

Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.


Do Estilo

O estilo é uma dificuldade de expressão.


Dos Leitores

Há leitores que acham bom o que a gente escreve. Há outros que sempre acham que poderia ser melhor. Mas, na verdade, até hoje não pude saber qual das duas espécies irrita mais.


Dos Livros

Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores.

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

quinta-feira, maio 20, 2004

Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam,
hoje, todos os caminhos vêm...
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo sirvo o chá para os fantasmas...

Frases I

Às vezes a gente pensa que está dizendo bobagens e está fazendo poesia.

...

Quem fica viúvo é o defunto...
Por que este não casa mais.

...

Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.

...

Cada pessoa pensa como pode ...

...

As sereias usam fecho ecler.

...

Essas distâncias astronômicas não são tão grandes assim:
basta estenderes o braço e tocar no ombro do teu vizinho.

...

Rezar é uma falta de fé: Nosso Senhor bem sabe o que está fazendo.

...

Tenho pena da morte - cadela faminta - a que deixamos a carne doente e finalmente os ossos, miseráveis que somos... O resto é indevorável.

...

Despertador é bom para a gente se virar para o outro lado e dormir de novo.

quarta-feira, maio 19, 2004

O Peregrino Malcontente

Íamos de caminhada. O santo e eu.
Naquele tempo dizia-se: íamos de longada...
E isso explicava tudo, porque longa, longa era a viagem...
Íamos, pois, o santo, eu, e outros.
Ele era um santo tão fútil que vivia fazendo milagres.
Eu, nada...
Ele ressuscitou uma flor murcha e uma criança morta
E transformou uma pedra, na beira da estrada,
Em flor-de-lótus.
(Por que flor-de-lótus?)
Um dia chegamos ao fim da peregrinação.
Deus, então,
Resolveu mostrar que também sabia fazer milagres:
O santo desapareceu!
Mas como? Não sei! desapareceu, bem ali, diante dos nossos olhos que a terra já comeu!
E nós nos prostramos por terra e adoramos ao Senhor Deus todo-poderoso
E foi-nos concedida a vida eterna: isto!
Deus é assim.

terça-feira, maio 18, 2004

Amar

Amar: Fechei os olhos para não te ver e a minha boca para não dizer... E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei, e da minha boca fechada nasceram sussurros e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no outro.

segunda-feira, maio 17, 2004

Contradições

... mas o que eles não sabem levar em conta é que o poeta é uma criatura essencialmente dramática, isto é, contraditória, isto é, verdadeira.
E por isso, é que o bom de escrever teatro é que se pode dizer, como toda a sinceridade, as coisas mais opostas.
Sim, um autor que nunca se contradiz deve estar mentindo.


[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

domingo, maio 16, 2004

"Só a poesia possui as coisas vivas. O resto é necrópsia."

"O trabalho é a farra dos velhos."

"A imaginação é a memória que enloqueceu"

"Nós não perdemos os mortos, os mortos é que nos perdem."

"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso."

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprendem a ler e não lêem."

A Carta

Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os meus naufrágios!
Já trazes ao nascer a tua filosofia.
As razões? Essas vêm posteriormente,
Tal como escolhes, na chapelaria,
A fôrma que mais te assente...

sábado, maio 15, 2004

Trova

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

O MORTO

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!

[in: Apontamentos de História Sobrenatural]

sexta-feira, maio 14, 2004

Se eu fosse um padre

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!

[in: "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105]

Espelho

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."
O sumo bem só no ideal perdura.
Ah! quanta vez a vida nos revela
Que a saudade da amada criatura
É bem melhor que a presença dela!

POEMINHA SENTIMENTAL

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

[in: Preparativos de Viagem]

quinta-feira, maio 13, 2004

Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!


[in: Preparativos de Viagem]

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

[in: O Aprendiz de Feiticeiro]

quarta-feira, maio 12, 2004

A aranha desce verticalmente por um fio

A aranha desce verticalmente por um fio
e fica
pendendo do teto - escuro candelabro:
devem ser feitas de aranhas, desconfio,
as árvores de Natal do diabo

terça-feira, maio 11, 2004

Tão lenta e serena e bela

Tão lenta e serena e bela e majestosa vai passando a vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosas a coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção
A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
Ou, quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros truques mecânicos!

segunda-feira, maio 10, 2004

Quem Sabe um Dia

Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

domingo, maio 09, 2004

Trágico Acidente de Leitura

Tão comodamente que eu estava lendo, como quem viaja num raio de lua, num tapete mágico, num trenó, num sonho. Nem lia: deslizava. Quando de súbito a terrível palavra apareceu, apareceu e ficou, plantada ali diante de mim, enfocando-me: ABSCÔNDITO. Que momento passei!... O momento de imobilidade e apreensão de quando o fotógrafo se posta atrás da máquina, envolvidos os dois no mesmo pano preto, como um duplo monstro misterioso e corcunda...terrível silêncio do condenado ante o pelotão de fuzilamento, quando os soldados dormem na pontaria e o capitão vai gritar: Fogo!

Extraído de "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 70.

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...



[in: "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.]

Frases II

Despertador é bom para a gente se virar para o outro lado e dormir de novo.

...

A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão.

sexta-feira, maio 07, 2004

RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

A CANÇÃO DA VIDA

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)


[de: Esconderijos do Tempo]

quinta-feira, maio 06, 2004

RITMO

Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco

Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes

No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa

até que enfim
se desenrola
toda a corda
e o mundo gira imóvel como um pião!

Biografia

Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.

Da inquieta esperança

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.

Janela de Abril

Tudo tão nítido! O céu rentinho às pedras. Pode-se enxergar até os nomes que andaram traçando a carvão naquele muro. Mas mesmo que o céu soubesse ler, isso não teria agora a mínima importância. E sente-se que Nosso Senhor, em comemoração de abril, instituirá hoje valiosos prêmios para o riso mais despreocupado, para o sapato mais rinchador, para a pandorga mais alta sobre o morro.

quarta-feira, maio 05, 2004

O POEMA

Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco. Mas ele, aquela noite, não escreveu nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida...

A DIFERENÇA

A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta
sabe que é louco... Porque a poesia é uma loucura lúcida
Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira do dia 1º do mês e de cada ano novo é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça...

Da Perfeição da Vida

Por que prender a vida em conceitos e normas?
O Belo e o Feio... O Bom e o Mau... Dor e Prazer...
Tudo, afinal, são formas
E não degraus do Ser!
O papel está hoje com uma abominável falta de imaginação.
Continua apenas, olhando-me: vazio, mais quadrado do que nunca.

Tu te abres como uma flor...

Tu te abres como uma flor...
E
depois
o nosso olhar é límpido como as águas de um regato...
E distanciadamente falamos do mundo com todos os seus inclusives:
conflagrações, boatos, ataques, surpresas, compromissos...
E todas essas coisas atrozes são poemas a nossos ouvidos.

Pequeno Poema de após Chuva

Frescor agradecido de capim molhado
Como alguém que chorou
E depois sentiu uma grande,
Uma quase envergonhada alegria
Por ter a vida
continuado...

O último crime da mala

Na mala que nem o Anjo da Guarda,
Nem o Delegado do Distrito,
Nem eu mesmo consigo encontrar,
Está a minha imagem única, fechada a chave
- E a chave caída no fundo do mar!
Não adianta chamar escafrandos,
Nem homens-rãs,
Nem a sereia mais querida,
Nem os atenciosos hipocampos,
- De que adianta?!
Não existem vestígios de mim...

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


[in: Esconderijos do tempo. Porto Alegre:L&PM,1980]

AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Tenta Esquecer-me

Tenta esquecer-me...
Ser lembrado é como evocar
Um fantasma...
Deixa-me ser o que sou,
O que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão a mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir...
é seguir para o Mar,
As imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!

Carta

Eu queria trazer-te uma imagem qualquer
para os teus anos...
Oh! mas apenas este vazio doloroso
de uma sala de espera onde não está ninguém...
É que,
longe de ti, de tuas mãos milagrosas
de onde os meus versos voavam - pássaros de luz
a que deste vida com o teu calor -
é que longe de ti eu me sinto perdido
- sabes? -
desertamente perdido de mim!
Em vão procuro...
mas só vejo de bom, mas só vejo de puro
este céu que eu avisto da minha janela.
E assim querida,
eu te mando este céu, todo este céu de Porto Alegre
e aquela
nuvenzinha
que está sonhando, agora em pleno azul!

INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO

"Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!""

[in: A Cor do Invisível]
O que mais me comove em música
São estas notas soltas
-- pobres notas únicas --
Que do teclado arranca o afinador de pianos.

Poeminho do contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

A vida...

é um dever que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê já são seis horas há tempos...
Quando se vê já é Sexta-feira...
Quando se vê passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
Se me dessem um dia outra oportunidade,
Eu nem olhava o relógio,
Seguia sempre em frente
E iria jogando pelo caminho
A casca dourada e inútil das horas...

Lágrima

Denso, mas transparente
Como uma lágrima...
Quem me dera
Um poema assim!
Mas...
Este rascar da pena! Esse
Ringir das articulações... Não ouves?!
Ai do poema
Que assim escreve a mão infiel
Enquanto - em silêncio a pobre alma
Pacientemente espera.

Do Bem o do Mal

No fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal. Tudo é volúpia...

Amor

Quando duas pessoas fazem amor
Não estão apenas fazendo amor
Estão dando corda ao relógio do mundo

Dr. Quintana

Mario adorava contar histórias em forma de anedotas. O escritor Sérgio Faraco registrou várias, pois além de alegretenses eram muito amigos e costumavam passear de automóvel por Porto Alegre.

Uma delas tinha como personagem seu avô paterno, o Dr. Quintana, mais tarde nome de rua em Alegrete. Médico e político, muito mulherengo, na época desta história o Dr. Quintana era prefeito da cidade. Estava em um palanque discursando, fazia calor e ele suava bastante. Enfiou a mão no bolso para tirar o lenço, mas o que veio foi uma calcinha feminina.

Houve risos e constrangimentos entre os ouvintes, mas o Dr. Quintana, olhando a calcinha logo se recompôs:

- Essas minhas filhas me fazem cada uma...


[Do livro Ora Bolas, O Humor Cotidiano de Mario Quintana - Artes e Ofícios]

Nomes Feios

Início de mais uma madrugada. Mario chega à pensão em que morava, na Barros Cassal, perto da Avenida Independência, e é mal recebido pelos cachorros. Reage aos latidos com todos os palavrões disponíveis. Na calçada, os pintores Waldeny Elias e Gastão Hofstaetter, que passaram a noite bebendo com ele e vieram deixá-lo em casa, assistem à cena.
Em meio à gritaria, abre-se a janela e surge a dona da pensão:

- Mas o que é isso, seu Mario! O senhor, um homem tão culto, dizendo essas barbaridades!

Ele se defende:

- É que a senhora não sabe os nomes que os seus cachorros estão me dizendo...

[Do livro Ora Bolas, O Humor Cotidiano de Mario Quintana - Artes e Ofícios]
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoista e mau.
E a minha poesia é um vício triste, Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
[nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

terça-feira, maio 04, 2004

SESTA ANTIGA

A ruazinha lagarteando ao sol,
O coreto de música deserto
Aumenta ainda mais o silêncio.
Nem um cachorro.
Este poeminha
É só o que acontece no mundo...
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão
de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!


Se alguém acha que estás escrevendo muito bem,
desconfia...
O crime perfeito não deixa vestígios.


O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.



Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!

Cartaz para uma feira do livro

Cartaz para uma feira do livro

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

Citação

De um autor inglês do saudoso século XIX: "O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente."

Citação 2

E melhor se poderia dizer dos poetas o que disse dos ventos Machado de Assis: "A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietude a constância."

[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]
- Por que você nunca se casou?
- Por uma simples questão de estatística: há no mundo muito mais viúvas do que viúvos.

segunda-feira, maio 03, 2004

Espaço dedicado ao meu grande poeta. Tenho certeza de que seríamos grandes amigos, não fosse um leve problema de fuso horário: quando cheguei a ele, ele já havia partido.

O Assunto

E nunca me perguntes o assunto de um poema: um poema sempre fala de outra coisa.

Nunca ninguém sabe

Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar
Pois o meu verso tem essa quase imperceptível tremor...
A vida é louca, o mundo é triste:
vale a pena matar-se por isso?
Nem por ninguém!
Só se deve morrer de puro amor!

sábado, maio 01, 2004

O Ano Novo

O Ano Novo ainda não tem pecado:
É tão criança...
Vamos embalá-lo...
Vamos todos cantar juntos em seu berço de mãos dadas,
A canção da eterna esperança.

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência...esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,

Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas

BILHETE

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

tem de ser bem devagarinho,
amada,

que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

sábado, abril 10, 2004

OS ARROIOS

Os arroios são rios guris...
Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d'água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,
às belas morenas,
curiosos das pernas das belas morenas.
E às vezes vão tão devagar
que conhecem o cheiro e a cor das flores
que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam
e onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção
como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão
de um Anjo...
Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.
Os rios tresandam óleo e alcatrão
e refletem, em vez de estrelas,
os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,
os inocentes arroios...

[in: Baú de Espantos]